A partida da Itália

Na Itália, a propaganda sobre o Brasil dizia: "Paese de la cacagna", que significa "País da fartura". A moda era "fazer a América". Nos folhetos fixados no Porto de Gênova, de onde partiam os navios, prometia-se transporte gratuíto, hospedagem, assistência durante os primeiros tempos, sementes, ferramentas e crédito para a compra de terra. Houve grande interesse nas regiões vêneto-lombardo-trentinas, de onde vieram milhares de imigrantes.


Com relação às cenas de despedidas, posso afirmar que em minhas pesquisas "a descrição do momento da partida das famílias italianas era semelhante, em muitas fontes". Júlio Lorenzoni, no seu livro "Memórias de um imigrante italiano", descreve de forma praticamente análoga a de Andrea Pozzobon (Site Família Pozzobon)". Relata o último:

"...As autoridades aconselhavam a permanecerem. Alguns parentes mais chegados desaconselhavam a partida. Eram inúteis, porém, as exortações, conselhos e lágrimas dos que faziam de tudo para que lá permanecessem. Obstinados em sua determinação, não faziam caso de quem se preocupasse pelo seu bem. Que tristeza ver aquela mísera... gente em tais momentos de angústia! Um vai-e-vém de parentes e amigos com contínuas visitas a eles. O pároco local aconselhava a cada família portar uma garrafinha de água benta para que se servissem quando chegassem às suas novas moradas. As crianças eram conduzidas ao bispo para serem crismadas, porque, sabe Deus, que religião haverá naqueles países!
Na manhã que precedia a partida, cantava-se missa na igreja paroquial, pedindo ao "Doador de todo o bem" que os emigrantes fizessem feliz viagem. Eram degoladas as últimas galinhas para o banquete do adeus, onde os parentes e amigos compareciam para prestar homenagem aos que partiam e dar-lhes coragem para a longa viagem que deveriam empreender. Todos alegres em torno da mesa. Os que emigram simulam uma aparência de contentamento, mas seu coração se corrói de grande e inenarrável desgosto. Simula-se denotar um pouco de alegria de uma a outra parte, excitada pela libação de um copo de vinho. Canta-se alguma canção de adeus à Pátria, mas o coração chora sem parar. Vem a noite, mas não se dorme; apenas girovagando de casa em casa e terminando de despedir-se de todos com um tremendo e trêmulo até a vista no outro mundo."




Os imigrantes eram embarcados na terceira classe dos navios, geralmente localizada nos porões e com lotação acima da capacidade. No final do século 19 as viagens já eram feitas em vapores, mais rápidos que os navios à vela, porém com péssimas instalações, pois geralmente eram navios de carga adaptados para o transporte de passageiros. A viagem da travessia do Atlântico durava de 15 a 30 dias, conforme o tipo navio/vapor.

Dezenas de navios(vapores) faziam esse trajeto como o Clementina, Colombia, Righi, Esther, e o ISABELA, que trouxe a família MOZZINI no ano de 1878.


A seguir, trechos do livro escrito por Júlio Lorenzoni, "Memórias de um Imigrante Italiano":

DEIXANDO SUAS CASAS...

"Finalmente chegou a data marcada para a partida das famílias. Desde os albores do dia, embora naquele final de outono a temperatura estivesse bastante fria, na pequena praça defronte à Igreja, achava-se repleta de pessoas de todas as idades. Haviam-se despedido na véspera, mas não satisfeitas e já saudosas, faziam questão de dar o último adeus aos parentes e amigos que lhes eram tão caros."



"Estes, bastante atrapalhados com sua bagagem, procuravam reunir malas, pacotes e sacolas e carregá-los para não haver extravio. Era uma cena interessante o que estava acontecendo naquela última hora, na modesta pracinha, completamente tomada por centenas de pessoas, carros, jardineiras, caixotes, sacos cheios de peças de roupa, pacotes, pacotinhos, cestas, etc., etc.."

DESPEDIDA DOS PARENTES E AMIGOS...

"Os sinos, de repente, começaram a bimbalhar e, com seu som alegre e conhecido, chamavam seus fiéis a assistirem à última missa. Lá, no pequeno templo, aonde desde muitos anos aqueles camponeses costumavam fazer suas orações, onde tinham sido batizados, feito a Primeira Comunhão e muitos deles haviam-se unido pelo Sacramento do Matrimônio, agora comovidos, ouviam seu bom páraco dar-lhes seu último adeus, desejando-lhes uma ótima viagem e fazer-lhes mil recomendações, entregando-se a Deus, que haveria de acompanhá-los tanto durante a viagem, como após a chegada ao Novo Mundo."
"A missa e benção haviam terminado; eram quase 8 horas e, saindo apressados da Igreja, trocaram, rapidamente, os últimos beijos e abraços com parentes e amigos. Cada família tomava seus lugares nos carros e jardineiras, que há tempo estavam esperando na estrada, procurando acomodar-se da melhor maneira possível."


"Como complemento, entoavam uma belíssima canção popular e, finalizando, ouviu-se um “hurra” prolongado e estridente, partindo essas famílias para o seu destino: o Porto de Gênova!

Dezenas de vapores faziam a travessia: Isabela, Colombo, Clementina, Esther, Righi, etc..

(Depoimento de Júlio Lorenzoni, Memórias de um Imigrante Italiano)

"Em qualquer canto do vapor só se escutava um vozerio incompreensível de dialetos, a maior parte vênetos e lombardos, muitos dos quais eu não entendia absolutamente nada, de modo que me deixava admirado ouvir tantos vocábulos novos, procurando adivinhar-lhes o significado.

"... lentamente, quase que a contragosto, movimentava-se o navio e um sentimento de imensa tristeza apoderava-se do coração de todos, ao distanciar-se do estupendo panorama de Gênova. Irreprimíveis lágrimas escorriam pelas suas faces e seus olhos embaçados mal podiam fixar-se pela última vez naquele conjunto de palácios, torres, igrejas e lindas moradias, que formavam a terra natal..."



"O barulho reinante ali, nessa primeira noite, é mais fácil imaginá-lo do que descrevê-lo. Uns choravam, outros gritavam, alguns blasfemavam e grande parte rezava, pedindo a Deus sua proteção. Ouviam-se canções de ninar das mães adormecendo os filhinhos e estes, estranhando a infernal balbúrdia, choravam sem cessar. "




A travessia do oceano

(Depoimento de Júlio Lorenzoni, Memórias de um Imigrante Italiano)

"...após 3 dias de nossa partida de Cádiz, avistamos à esquerda, o grupo das ilhas Canárias e passados mais alguns dias sem novidades, chegamos a São Vicente, uma das ilhas de Cabo Verde, aonde o vapor fez nova parada para abastecer-se de carvão, água doce e outras coisas... ... doze longos dias e doze longas noites sucederam-se sobre o vasto oceano, antes de descobrir terra.

"O calor, entretanto, estava cada dia mais insuportável; íamos atravessando o Equador e o sol tornava-se abrasador... ... a alimentação que recebíamos a bordo era inadequada para aquela zona tórrida, pois mesmo sendo preparada quase sem sal, provocava-nos muita sede, a qual não podíamos estancar por falta de água doce. Falta? Não, faltar não era exatamente o termo, mas era quente e fétida e para não morrer de sede, nos víamos obrigados a tomar.


"... imagine o leitor, um caninho de ferro da grossura de um dedo, saindo da grande caixa numa dimensão de dez centímetros, onde chupava continuamente todos aqueles passageiros, cerca de 1500 pessoas... Garanto que precisava estar louco de sede, para evitar o nojo de ingerir água nessas condições. Lembro-me , ainda, que algumas vezes fiz-me de doente e fui premiado com um litro de água fresca que, saboreava com minha família como se fora o melhor dos refrescos.


Autorização de viagem do Navio Isabela, com a relação dos passageiros onde a Família Mozzini.


(Esta tela faz parte do site: www.mozzini.com.br)